Dentro do ônibus e outras conjecturas.

Você desperta. Sente algo solidificar-se dentro de seu corpo e derreter quase instantaneamente. Entra numa lata de metal sobre algumas rodas, a começa a correr, correr, correr. A qualquer momento você pode acabar ensanguentado em qualquer estrutura de concreto, misturado aos flocos inflexíveis de pedra e ao metal que jamais sangra. Ah, a consciência de existir: Era isso que solidificava-se todos os dias dentro de seu ser, quando você despertava e nos segundos cheios de torpor antes de adormecer. A consciência de existir era enlouquecedora, e é possível sentir o abraço do tempo apertando e redesenhando escolhas. Piscam-se os olhos, lambem-se os lábios e já não há tempo de temer a morte, que é só mais um passo de dança feito nas pontas dos pés, tão fluído que é como adormecer em um sono inteiro. Sente-se o desespero de não entender a Vida e suas dimensões impiedosas que ignoram cada homem e os dissolvem em uma única palavra - multidão - e ainda assim, ainda assim, em profunda insignificância, faz com que sintam-se Universo, "com nebulosas e tudo", já diria Gedeão. Na cara do temporal, você grita e esperneia, e os desesperançosos se chocam por seu brilho e seus lençóis. No banco da frente do carro, você desespera, e percebe que talvez não tenha idade suficiente para sentar no banco de carona, mas como já te deram permissão para dirigir, ser preso e consumir drogas lícitas, deve estar tudo bem.  Ainda sente-se criança, e visualiza sua própria meninice te fazendo de boneca e penteando seus cabelos. Lá do outro lado do céu, alguém oculta seus segredos com o verde secreto de seus olhos, mas não há escapatória:  Eu, você, o mundo em movimento. Nada mais parará para assistir nosso balé ardente. Não há ferramenta pra viver, bem feito pra quem nunca amou direito, bem feito pra quem não teve vontade de querer só o que quer.

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