Carta ao oculto

Você destruiu minha vida em tantos pedaços diferentes que eu simplesmente não consigo me concentrar em coisa alguma. E ainda assim, nada tem qualquer relação com você. Eu não suporto mais a viagem. Não suporto mais o suor. Não suporto mais o balanço atordoante. Não suporto mais não me sentir pertencendo.
O que foi que você me obrigou a fazer? Sim, eu fui obrigada. Fiquei tão pesada em seus braços. Te dei tudo, meu querido, tentando resgatar a sua vida, sua fé e minha própria lembrança de um antigo ídolo caído. Tão tola, que fui, Arcanjo. Você nunca se pareceu com meu herói perdido, mas eu firmei essa imagem pra você, já que você precisava se firmar em alguma coisa. Sei que nossos espíritos ainda se atraem quando eu cruzo meu olhar com o seu e respiro assustada como um animalzinho encurralado. Não sei o que se passa pela sua cabeça, porque fiquei tão pesada em seus braços. Já disse isso, não? Me tornei sua salvação e seu fardo, e você preferiu se entregar e não ser salvo, do que suportar meu enorme peso. Eu te ensinei a olhar nos olhos e a buscar sinceridade, mas você não poderia aguentar todas as verdades que o olhar de uma pessoa carrega, por isso inventou as verdades que quis para o meu olhar. Você só me trouxe problemas e um punhado de lembranças plásticas. Você só me fez mal, e ainda assim, não te odeio.
Odeio a mim mesma por ter tentado e acreditado em suas palavras comovidas, mas elas não eram lágrimas de sinceridade, eram apenas o sangue que escorria de suas feridas muito recentes e purulentas, e o sangue é falso e insincero. Mas não te culpo, porque preciso crer que há um motivo. Nossos espíritos e olhares continuarão a se atrair até o dia em que eu saia do meu inferno particular que faz com que eu me sinta tão desabrigada. E então, suas asas podem queimar, e você pode, enfim, idolatrar sua própria santa falsa.

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