Os guarda-chuvas opressores e a cidade paralisante

Vejo as pessoas correndo por aí e me pergunto se elas estão fugindo de alguém, correndo pra chegar mais rápido ou correndo pra se afastar do passado pra sempre. Os guarda-chuvas multicoloridos do centro da cidade me deixam nervosa, e eu cruzo com alguns olhares raivosos que fazem com que a respiração se solidifique no meu peito. Não respiro até sentir que a cidade parou de me paralisar. Os guarda-chuvas ainda me observam coloridos e opressores, de vez em quando formam dois olhos negros e bocas rosas, vermelhas, escancaradas e rendadas e salivantes da chuva que não cessa. Eu vejo cães dormindo em janelas, pessoas dormindo nas ruas e água de esgoto que mistura com água de chuva, e de repente eu sinto o gosto do cachorro, das pessoas e da água suja, como se aquela miscelânea estivesse sendo misturada lentamente nos meus lábios e na minha garganta. A cidade me consome, me transforma em uma parte estranha de sua entranhas. Me transforma em um corpo ímpar, desnivelado e demasiadamente poético pra toda aquela pressa, toda aquela sujeira e toda aquela chuva. Os guarda-chuvas multicoloridos não param pra me ouvir gritar, e o cachorro na janela dorme tranquilo porque não sabe que foi notado.
Eu sou os olhos que pairam e amam tudo aquilo que existe. Eu sou a saudade do amor, eu sou a atenção que a cidade precisa e despreza com seus montes de pedras e gotas.
Meus olhos tocam, e meu corpo sente. Estremeço. A cidade me cospe e eu volto pra casa ensopada, e fecho meu guarda-chuva só pra não ser mais um pedaço. Volto a me pertencer.

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