Cartas para o Fer - pt. II

 


Fer,

Hoje fui visitar seu túmulo. 

O tempo e a chuva e o sol desgastaram seu nome 

Seu rosto

Suas palavras

Como o tempo faz com todas as coisas, 

Ele decidiu tentar te apagar.

A vó foi comigo. Não lembrávamos o número.

O lote. O jazigo. A morte é burocrática.

Mas como num pesadelo que eu não consigo parar de reviver, eu caminhei

Meu corpo dormente, segurando um buquê de flores do campo

Deixei que minha avó levasse os girassóis dessa vez

Já não tenho muitos dias ensolarados sem você 

E como em todo pesadelo, eu encontrei o lugar onde te colocaram no chão 

E ao ver  o que o tempo tentou fazer com você, meu coração se despedaçou 

Dois anos se passaram

Você faria 31 anos amanhã 

Eu coloco meu buquê carinhosamente com um bilhete

Penso no seu corpo a alguns palmos abaixo de mim 

Eu sei, seu corpo não pode ler, você já não tem mais olhos 

Mas o bilhete continua ali

Nesta vida e em todas as que vierem, sempre vou escolher você 

Eu ajoelhou ao lado do seu nome e grito

Tanta dor escapando pela minha garganta 

Tantas lágrimas me sufocando

Por que você me deixou? Por que você foi embora?

Sabe, sonhei que estávamos na neve uma dessas noites 

E você sorria pra mim, porque você sempre sorria pra mim 

E escorregava naquela enorme colina de neve 

Eu sentia medo, sentia meu coração acelerar

Você ria, despreocupado de uma maneira que você raramente conseguia ser

E me chamava

Você dizia "tô te esperando aqui" e eu escorregava

E eu gargalhava para um céu azul 

E todo o peso do meu coração não existia 

Você estava me esperando ali

Esperei morrer por alguns dias depois desse sonho

Uma ideia romântica de que eu vou te reencontrar

Mas não tem neve do lado da sua sepultura

E como todas as coisas que o tempo faz, tudo é diferente agora

Então eu me ajoelho e limpo a terra de cemitério da placa com seu nome 

Seu nome que eu sussurro todas as noites 

"Acesa ou apagada, Fer"

Ultimamente você tem escolhido as luzes apagadas 

O absoluto segredo da madrugada 

Pra vir até a mim. 

"Estou te esperando aqui"

Eu volto do cemitério, sustentada pela minha avó 

Ela nunca te esquece, assim como eu nunca te esqueço 

Chego em uma casa que você nunca conheceu 

Nossos bichinhos me esperam enquanto eu lavo o cheiro de morte do meu corpo 

Eles cuidam de mim e entendem minha dor

E como se pudessem falar, me olham dizendo "nós também temos saudades"

E eu sei, eu sei que você me espera em algum lugar 

Mesmo que seja apenas na minha memória 

Mas eu ainda imploro, todas as noites antes de dormir 

Por favor, volta. 

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