Não me ligue de manhã - Sincero apelo de uma (não tão) dama

E
stávamos ambos bêbados e dividíamos um copo de batida que tinha mais espuma e creme do que vodka. Eu lambia meus lábios e você olhava com vontade, mas sua boca só chegava perto mesmo do copo. E eu, tão acostumada a homens com dez anos a mais do que você, ria da sua falta de tato. No último gole, bebi da sua boca. Nos beijamos a noite inteira e tudo o que você queria era aproveitar cada reentrância do meu corpo. Mordeu, beijou e sentiu da forma que quis. E eu, em pé na sacada do vigésimo primeiro andar, alheia aos seus desejos, via o mundo girar sentindo o calor de qualquer par de lábios na minha pele. Você pede meu telefone e eu sorrio. Pergunto qual é mesmo seu nome, que eu já nem lembro. Você me fala seu nome, seus dramas pessoais e toda sua história de vida que eu não faço questão de ouvir. De repente, você se dá conta, e me pergunta se eu sou mesmo uma canalha. Se eu sou sempre babaca assim. Pisco duas vezes, mas não estou atordoada. Digo que não, só de vez em quando. E aquele se torna o acordo da noite - você aproveita o quanto pode e se esforça pra me levar pra cama, mas nós dois sabemos que isso não vai acontecer. Eu, bêbada e fora de mim, danço, rio e passo mal por causa do absinto. Mas você ignora e continua a me beijar, a me querer, a me degustar. Vai embora com meu gosto na sua língua, e com promessas de um segundo encontro. Mas doçura, deixe-me pedir encarecidamente um favor: Não me ligue amanhã de manhã. Também não me ligue no dia seguinte a este. Não compre qualquer bebida barata pra me esperar no seu apartamento. Porque algumas coisas são boas enquanto são, e é melhor deixar assim. Na luz do dia, sou uma pessoa mais centrada e dançante, e você é o menino que trabalha na bolsa de valores. Seu beijo é ótimo e suas mãos enlouquecedoras, mas pro seu próprio bem, fique sabendo que sou, sim, um pouco canalha. E me reservarei todo o direito de continuar sendo canalha, beijar meninas e fumar meus cigarros até quando me for conveniente. Não encontre em mim uma figura agálma. Não busque em mim uma mulher pra segundos encontros. Hoje, eu sou só minha. E no próximo final de semana, quem será você mesmo? Apaga meu número e confunde meu sobrenome, porque eu não procuro alguém pra segurar a mão. Quando a noite chegar, outros lábios  me encontram -- e dessa vez, me poupo o trabalho de dar o telefone.

Comentários

Postagens mais visitadas