Clube do luto e piadas do tio-avô

- Dor.
- Dor?
- É, dor.
- Mas dor, dor, ou dor, dorzinha?
- Dor, dor, ué. Dorzinha ou dor, tudo dói, não é?
- Mas tem tamanho.
- Não tem, não.
Quatro pessoas, três gerações: Clube do luto, discutindo o que é perder de maneira impessoal. Um pai/marido/avô perdido. Uma esposa, arrancada. A morte sentou-se conosco, como convidada que era.
Passaram-se quase dois anos da morte dele. Passaram-se sete meses da morte dela. Ainda dói. Aliás, dói mais a cada dia. O clube do luto senta ali e respira aquele ar pesado, o peso de sobreviver. O tio Ênio não dorme mais na cama dele, porque a ausência é muito grande. A vó dorme na cama, sozinha, e ainda abraça o vô. Queria que estivessem ali, respirando alto, roncando em seus ouvidos, praguejando em suas existência arrumadinhas e confortáveis. Mas não estavam, e não havia comentário ou piada que os trouxessem de volta.
A gente fala da prima, a gente fala da mãe. A gente fala da família que vai crescendo, e se desfazendo, e se surpreende porque a bisa fez 100 anos. Cem anos. Sem anos. Brr. Trocadilhos infames.
A gente fala dos G's e o tio-avô conta uma piada e me elogia. "Olha só, é muito culta pra rir das piadas", diz mamãe, mas eu estava mesmo era dormindo dentro da minha xícara, alheia às gargalhadas, sentindo o cheiro e o calor de ser família. Todo mundo ri com dentes de café da tarde. Ah, não iríamos chorar naquela tarde. O clube do luto se ilumina, e a gente despe o preto, porque a dor que é saudade vira só amor. Porque nosso amor não dorme, não descansa em paz. Nosso amor é agitado e puro. Amor purinho, de tio-avô.

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