Invasão às minhas bases (A releitura do eu)

Inspirou profundamente o cheiro de si mesma e percorreu o dedo por seus poros. Sensação orgástica e dramática de deixar a alma subir à superfície, vagarosa, tímida. Era cúmplice de seus próprios crimes contra si mesma. Parecia-se com ela, e não queria parecer -- queria parecer-se com outra pessoa. Abraçava sua própria fraqueza, para tentar se tornar forte. Suas páginas frágeis diziam que o fraco deveria saber ser forte e partir, quando o forte fosse fraco demais para poder ofender o fraco. Enrodilhou-se a seus próprios pés e os pássaros do acaso pousaram em seus ombros, como que sussurrando as mais absurdas conjecturas. Contos sobre amor, passado e perda. Contos sobre ela.
Suas mãos fazem o caminho aflito de suas curvas, ora bondosas e amáveis, ora agressivas e maliciosas. Seu senso de beleza não a libertava de sua angústia, mas a coloria de forma sépia amarelada. Era bela. Seu erotismo traía sua inocência, ainda que trabalhassem juntos. Sentiu lágrimas no peito, mas engarrafou-as na traqueia, jogou-as garganta abaixo. A queda foi longa, esvaziou-lhe o estômago e agoniou-lhe os intestinos. Cerrou os dentes e armou as unhas, tentando se defender como pequena rosa que apenas tem um espinho. Se em seus sonhos estava perturbada, como a Tereza de Kundera, na vida poderia vestir a máscara de leve e tranquila, guerreira e mulher. Sentiu-se menina mais uma vez. Inspirou profundamente o cheiro de si mesma e percorreu o dedo por seus poros. Puro ar. Não havia mais dedo, poro ou cheiro. Desvanece sem sentir, liberta-se.

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