Sal da vida.

A gente se desencontrou pra se encontrar, e no meio tempo meu vestido continuou me incomodando. Mas aí eu cheguei e ri sem graça, e deixei meu vestido voar pra longe junto com a minha timidez. Não tinha pressa, não tinha porquê - só era. Maldita confiança gratuita, vindo junto com uns sorrisos fora de hora e meus olhares que sempre incomodam.
Você não questiona minha timidez, eu não questiono seus cigarros, e a gente vai falando da vida, do Neruda, da mãe e da cerveja. Aí a gente volta pro Neruda, fala de História e das nossas histórias. Falo demais da minha vida, você ouve como se fosse interessante. Vou apreciando cada pedacinho dos seus olhos, sem querer olhar por tempo demais. Não me escondo, mas sinto medo.
Vou prestando atenção nos seus lábios roçando um no outro, nas palavras montando sua vida e me impressionando com o seu francês, e fico me perguntando quando é seu aniversário, se você gostou do meu perfume e se a  gente ia se ver de novo. Mas não digo, só rio, e deixo passar.
E passa. O tempo voa, me carrega nas suas asas, e eu me irrito porque não sei o preço do chopp ou do chá gelado e porque não posso te obrigar a fazer nada -- você ri, e tudo passa de novo.
Assisto seus filmes clássicos de dentro da sua memória, enquanto danço aos sons da sua respiração. Meu ballet desconjuntado não te incomoda, e nada no mundo poderia te perturbar. Imagino o que você faria quando descobrisse que soluço como um desenho animado, que sempre esqueço que estou usando maquiagem (e fico como um panda no fim de qualquer evento) ou que, quando rio demais, não faço som algum.
Brinco com as possibilidades e as atiro no ar. Elas caem em mim, como seu perfume, e me invadem até extirpar cada pontinha de expectativa. Rio de mim mesma e entro no táxi. Examino minha alma e vejo uma colcha de retalhos, um mosaico manchado. No último reflexo, seu sorriso lampejou. Vou embora sozinha, com um pedacinho seu.

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