A garota de ninguém

Quando papai foi embora, ele esqueceu de dar meu beijo de boa noite, mas lembrou-se perfeitamente de dizer que eu podia esquecer que tinha pai. Eu não era a menina dele.
E quando meu herói morreu, eu nunca pude dizer o quanto o amava, e ele nunca me deu sua guitarra porque ela estava reservada pra menina dos seus olhos.
E quando eu dancei no palco da escola e olhei tão desamparadamente pra platéia, esperando que mamãe estivesse assistindo, eu não encontrei nenhum par de olhos familiares, porque eu não era sua cria.
E nas noites que eu chorei sem meu melhor amigo, ele estava cego, e nunca mais me pediu pra gostar menos, porque já tinha outra garota melhor no meu lugar.
E quando meu amor me mandou mensagens dizendo que eu era especial, ele também terminava de fechar o zíper e sair do reservado de uma festa com qualquer menina bonita que ele encontrou pra saciar seus desejos repentinos.
Eu não sou a garota de ninguém.
Não mantenho olhos inquietos nem corações acordados de madrugada. Não recebo orações pedindo pra voltar, e também não me pedem pra ir embora. Minha presença é bege, imparcial e tranqüila. Quase não se nota ali, pouco luminosa, passiva, aguardando a próxima curva. E se eu fosse a garota de alguém, talvez tivesse nome. Se eu fosse a garota de alguém, talvez emitisse esse brilho próprio que só as pessoas que se sentem verdadeiramente amadas tem. Se eu fosse a garota de alguém, talvez perdesse a melancolia. Talvez esquecesse quem eu sou, e a maldição de amar sozinha. Se eu fosse a garota de alguém. Se eu tivesse o amor que eu tanto desejo, talvez nunca mais, nunca mais precisasse ser forte.

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