cachorro e copo quebrado

Eu tive uma cadelinha
desde os dez até os dezenove anos de idade
o nome dela era Marina
E eu chorei o dia inteiro quando ela morreu
E eu abracei minha professora de ballet até os ombros dela ficarem encharcados

A Marina tinha olhos de criança
Ela me pediu pra morrer olhando nos meus olhos
agradecendo porque eu a tirei das ruas
e ela tornou todos os meus dias mais felizes
Latindo, pulando e mostrando sua barriga branca

E aí ela morreu.
E eu voltei pra casa.
E ela não estava latindo, nem pulando, nem mostrando a barriga
Que naquele momento, era já uma barriga cadavérica

Passei semanas sem chorar
Até que chegou meu aniversário
E eu derrubei um copo
E o copo quebrou
E o copo morreu
Que nem a Marina
E eu chorei por todos os dias porque o copo quebrou
Ou porque a Marina morreu

Eu chorei porque eu estava sozinha, eu dormia sozinha,
E eu não aguentava o peso da minha solidão.
Eu chorei e ainda choro até ver branco, que nem a cor da barriga cadavérica
por todos os (amor)tecedores que eu trago pra minha vida
Pra me dar a sensação de conforto e segurança
De um amor incondicional e que nunca abandona

Eu (amor)teço minha solidão com falsos tecelões
Eu finjo que sexo é uma forma de tocar almas
Só pra não dormir abraçada comigo mesma

Eu já não sei mais quem era copo quebrado ou cachorro perdido na minha vida
Eu só me reconheço mesmo como uma menina fodida (da cabeça e da boceta)
Que não tem a menor ideia do que fazer no próximo verso
Na próxima manhã
Ou no próximo movimento

Então talvez, se eu ficar bem quietinha, se eu souber ser calada
o mundo faça o movimento por mim.

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