A raposa e o cisne

 Ato I 

Eu chego nervosa e sonolenta

São sete da manhã e eu estou 

Do outro lado da cidade 

Música alta fazendo meus fones tremerem 

Eu entro no seu quarto sabendo que

Nós não seremos coisa alguma 

Além dos momentos que existiriam

Fora do tempo e do espaço 

Enquanto eu e você ainda existíssemos na

Mesma realidade 

Você não demora a me beijar, faminto 

E diz que gosta do meu cheiro de cigarro 

Exceto que eu já não fumo mais. 

(esse deveria ser o primeiro sinal.)


Ato II 

Você me devora e me venera 

Suas mãos me percorrem e me perpassam

Fortes, firmes, mas amorosas 

Você me pede pra olhar no seu olho 

E dizer que eu sou sua 

Naquele momento, eu não posso negar

Eu era inequívocamente sua

Eu ouço suas histórias e seus planos 

Presto atenção ao jeito que você 

Nunca fica estático 

Sempre caminhando, gesticulando, sendo energia 

Você me devora e você me venera 

Você toca minha música favorita e me convida 

Me convida pra dançar 

E naquele momento, eu me apaixono perdidamente 

Enquanto você me ergue no ar sem esforço 

E eu confio em você o suficiente para me derramar nos seus braços 

Vou embora desejando que você me peça pra voltar

Pergunto se vou te ver de novo 

Você diz que sim

"Promete?", pergunto 

"Só prometo o que cumpro.", você diz

E naquele momento talvez você mudasse minha vida

Com os dois pés pra fora, você me chama e pede um segundo beijo 

E um terceiro 

Como um adeus em pedacinhos mais palatáveis 

Olho para minha raposa e penso que agora, ela sempre me lembrará de você 

Você é a minha raposa e eu sou seu cisne 

(Esse deveria ser o segundo sinal.) 


Ato III

Uma semana inteira se passou 

Pouco ouvi da sua voz 

Como bicho arisco, ou simplesmente pelo bicho

O bicho que vive dentro de mim lia seu 

Comportamento errático 

E entendia que eu era menos amiga da raposa, e mais caça

Uma raposa não pode amar um pássaro 

Aos poucos eu entendia que eu não tinha me apaixonado por você 

Eu me apaixonei pela nossa existência compartilhada 

E então lembrei que você devora e venera e dança com tantas outras pessoas

E que um quase desconhecido jamais poderia ter meu coração 

O corpo, sim. A alma, na dança. 

Mas não meu coração. 

Ainda assim, expresso carinho e gratidão 

Ouço e abro espaços para o que você pode oferecer 

E honro minha palavra escolhendo a sua cidade por um final de semana 

Te digo de forma despretensiosa que estou de passagem comprada 

Te digo o que eu quero e a pergunta implícita espia por trás do desejo 

"Dessa vez, há tempo pra existirmos juntos?"

Te digo que vou aproveitar a viagem e consolidar percepções 

Casualmente, você me diz em três segundos que 

Nesse final de semana, você não sabe

Seu não saber me entristece 

E eu percebo que nossa coexistência foi um momento mágico, efêmero, e unicamente 

Meu. 

(Eu merecia um adeus mais gentil.)


Comentários

Postagens mais visitadas