Pecadora.



Ah, seus dedos apertando tão firmemente sua própria carne. Seus músculos rijos por baixo da pele que esconde essa moral impecável, essa personalidade implacável. Pecado capital, inveja de você. Sua rotina é tão disciplinada, quem dera revirar sua bela mansão. Infernizar um pouco dessa calma que me consome e despedaça o coração. Eu nem sei o que dizer nesse momento, mas o que você é, é o que me corrói por dentro.
Não sei por que você insiste em ser tão bom... assim, sempre o melhor. Eu só queria te poupar do seu talento. A sua alegria me dói.
Ah, essa sua boca de salivas e desejos. Sua cervical com a medida perfeita para um arranhão, o pedaço de carne que fica visível quando você levanta os braços, no espaço exato de uma lambida. E o sexo molhado e pulsante, o libido tomando conta do meu ser. Pecado original, luxúria.
Dois corpos nus. Descompostos. Um nos braços do outro. Dois amantes no âmago do prazer, e com o desejo latejando no empenho de se satisfazer. Dane-se quem diga que é imoral. Dane-se quem diga! Deixe-os a sós, com o desejo intenso, e as línguas rastejantes transformarão a carne em lama.
Ah, as mãos que envolvem tudo o que tenho. São minhas, assim como meus olhos vigilantes que tocam tudo o que é meu e apenas meu. Eu posso ver em você o desejo de tomar tudo o que é meu de mim, mas não o fará. Pecado inegável, avareza. Não existe generosidade, não quero compartilhar. Minha parte, quanto dá?
Ah, o desejo de ser mais e superar. Afinal, você nem é tão bom assim. Não, não mesmo. Pecado irreversível, vaidade aflorada. Eu sou melhor, eu sou o mais forte. O poder nas minhas mãos e nos pés que te pisam. Te esmago, te supero. Soberba, orgulho, altivez, porque sou o humano insignificante mais significante do planeta.
Ah, os olhos arregalados de gula. Banquetes, comida, prazer. Pecado viciante, gula latejando na boca de qualquer lugar. A carne que consome a carne, canibalismo, consumismo. Selvageria. Gula, a irmã da Luxúria. Tudo o que derrete na boca, tudo o que o corpo absorve, tudo o que eu quero consumir. Quero devorar, quero morder, quero digerir. Quero mastigar, quero degustar, quero lamber, quero te engolir. O que eu quero é te comer.
Ah, o frio e o cobertor. O sono excessivo, e quem sabe depois. Preguicinha, preguiça. Pecado letárgico, a preguiça de espírito. Não apenas a carne lassa se cansa, mas o espírito perturba-se diante de tanta obrigação. Não quero fazer agora, espere mais uma hora, quem sabe amanhã de manhã. E se eu posso fazer depois, agora não o farei. Estou cansada, marque uma hora enquanto a vida vai correndo.
Ah, a convulsão do meu corpo. Cada partícula tremendo com a raiva, o ódio. Ira, oh doce ira, pecado mais intenso, eu odeio você. Eu odeio a mim mesma, eu odeio, odeio e odeio. As veias se destacando e essa necessidade de matar. Não quero seus truques, quero seu sangue. Suas mãos vazias, mas inteiras, para que eu possa despedaçá-las. Esse meu ódio, veneno que eu mesma tomo, desejando a tua morte.
Humana, pecadora, pois do divino me afasto tanto e desejo assim permanecer.
Porque se não pecar, como serei perdoada?

Comentários

Postagens mais visitadas