Caminhos incompletos de uma mente rabiscada.


Um dia eu fui uma pequena garotinha, brincando de boneca, sem dizer uma palavra. Uma criança sem preocupações, mas com uma cabeça tão esquisita que surpreendia até a si mesma, às vezes. Depois, a pequena garotinha morreu, eu virei uma criança sem os dois dentes da frente, correndo e driblando cercas de arame farpado. Joelhos arranhados e sorrisos estampados, aquilo era a felicidade real, certo? Mas daí a criança começou a pensar em como se vive. E como se vive? Deu medo de não saber viver. Mas ela vivia, não é, então devia saber viver. Começou a perceber que tinha mesmo alguma coisa de errada com sua cabeça. Daí , a criança entrou em um coma profundo. Não estava morta ainda, não. Às vezes acordava de seu estado, gritava alguma coisa, agia de tal maneira, e voltava pro coma, deixando a pré-adolescente que eu me tornara corada de vergonha. Infantil. Sim, é claro que era infantil, era meio criança e meio adolescente! A dor de cotovelo começou a aparecer, e doía de verdade pra um coração infanto-juvenil. Mas isso não era realmente importante... Não perto do que viria.
A pré-adolescente morreu, junto com a criança. Aquela cabecinha louca foi piorando, e percebeu qual era o problema quando aprendeu a definição pra isso: Sua mente era escatológica. Sem hipocrisias, meio suja, rabiscada,caricata. Pré-adolescente e criança faleceram, como eu disse. Foram enterradas juntas com a adolescente, que teve uma vida curta. Apareceram pessoas gritando comigo. CRESÇA! CRESÇA! AMADUREÇA!
E a pessoa que eu havia me tornado, nem criança, nem adolescente, nem adulta, ficou tão assustada que obedeceu. Cresci. E aí, me olhei no espelho, e o que sou eu? Não sou uma mulher, sou? Mas não sou uma menina, sou? Não.

Mas as definições não são mesmo importantes. A questão mesmo é a mudança.

Como uma criança despreocupada se transforma no que eu me transformei?
Troquei o desejo de chocolate pelo de antidepressivos. Troquei o desejo de colo pelo de um mero abraço que pudesse satisfazer minha carência. Troquei de roupas, de corte de cabelo, troquei tudo o que eu considerava belo e certo. Mas somos o que somos. E nessas trocas, me encontrei, em busca de felicidade plena, que reconheço ser impossível. E isso não me faz desistir.

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