Ternura violada e a ultraviolência.

Olhou-me com aquele olhar selvagem cheio de ódio e me fez descobrir o mistério da ira. Comecei uma corrida desesperada contra o tempo e contra mim mesma. Corria, corria, e o ar passava pela minha boca, entrava sem ser convidado, sem me fazer sequer o favor de entrar em meus pulmões.
Meus pés sangravam, minha boca se abria em um grito de pânico e horror. Meus olhos arregalados além do susto pareciam querer exclamar qualquer coisa, mas perderam a voz e o significado. Corri até meus músculos descolarem e queimarem, e aí parei.
Caí em cima de meus joelhos já muito doloridos e tristonhos.
Olhei para trás, certificando-me de que aquela criatura mórbida e cheia de ódio não me perseguia nem tentava me devorar. Estava deveras apavorada, ainda, e meu coração tremulava em minhas palmas inexoravelmente trêmulas.
Olhei para frente e congelei. A fera estava ali, à espreita. Apresentava um olhar de escárnio, e seus pés estavam abertos e ensanguentados como os meus.
Em um surto de coragem, me aproximei. Falei um dúzia de palavras apaziguadoras, mas a besta mexia a boca como que me imitando, como que debochando de mim, sem jamais replicar. Utilizei-me das mais profundas técnicas tranquilizadoras, sorri e tentei minha doçura, mas a cada olhar doce, recebia em troca um olhar pesado de sarcasmo. Terrivelmente magoada, então, tentei tocar-lhe o rosto e oferecer-lhe carinho. Meus dedos se aproximaram dos olhos cheios de bílis e amargor. A boca continuava aberta, lábios rachados, simulando um olhar de terror. Toquei-lhe.
Sua face era feita de vidro. Os lábios rachados se mexiam como minha boca seca. Seus pés eram reflexos dos meus. Aterrorizada, retirei os dedos do espelho.
A fera era eu.

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