O rapaz com sorriso de música

Prólogo

Eu me atrasei quarenta minutos.
Ele esperou por quarenta minutos.
Eu esperei quarenta minutos pelo melhor abraço que eu teria nos últimos meses.

Capítulo 1

Ele me beijou enquanto o metrô se mexia muito rápido e mexeu nos meus cabelos como se eu nunca tivesse sido amada, e sua maior responsabilidade no mundo fosse me ensinar.
Eu ouvia suas palavras como pequenos retalhos de uma vida de doçura e tranqüilidade quase inexperiente, e tentava aprender a sentir demais e ainda assim, ainda assim, manter minha pureza. Se eu falava das minhas muitas ideais confusas, ele ouvia com bastante paciência e olhos verde-atenção. E então ele sorria. E quando ele sorria, era como música.

Capítulo 2

Na parede, um violão. Grande e desenhado. A primeiríssima coisa que entrou naquele apartamento. Eu olho pro violão. Eu olho pra cama. Eu olho pra ele.
"Vamos levar as coisas devagar"
"Devagar é bom"
Sim, devagar era bom.
Falhamos miseravelmente.
O violão na parede deu um sorriso singelo pra mim e embalou nossos corpos em sua música imaginária.

Capítulo 3 

O Brasil perdeu o jogo.
Olho pros seus olhos verdes através das lentes do óculos que detesto e ele me oferece uma cerveja. Eu aceito e tento ensiná-lo a fumar. Ambos riem. Eu quero que ele continue sorrindo.
Entro pro banho e ele apanha um violão. Dessa vez, um violão folk de verdade, preto e pesado. Cantamos. Cantamos juntos.
Todas as músicas de desenhos animados, ou musicais, ou qualquer coisa que remetia a uma época de extrema felicidade ou de prazeres secretos que, eu descobria naquele momento, compartilhávamos.
Eu saio de toalha como se estivesse no meu próprio show.
E que se danem os vizinhos.
Éramos o melhor musical que existia, estrelando em algum apartamento secreto no Catete.

Epílogo

Quando histórias são tão longas quanto os dias mais especiais que a gente vive, a tendência é que façamos recortes dos melhores momentos. Foi um longo dia e eu adormeci ao lado dele.
Se nossas vidas eram diferentes, alguma coisa na minha poesia sussurrava que nossas almas eram muito similares. Falei de sua vida e de sua história como se o conhecesse há cinco anos, e não apenas cinco horas. E ele entendeu meus medos. Relembrou minha doçura, que eu tão desesperadamente achava que estava perdida.
Fui crua e fui honesta. Fui criança, fui sincera, fui tudo o que podia em um dia ao lado do menino com sorriso de música.
Antes de dormir, com a fé restaurada, seus olhos verde-esperança olham pra mim.
"Estou feliz"
"Eu também", respondo.
E em muitos dias de angústia, aquele dia era de felicidade verdadeira.

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