Humpty Dumpty

I.
Há alguns anos atrás
Ensaiava uma peça infantil
A morte de Humpty Dumpty
E lia a primeira cena
"Ele caiu ou foi empurrado?"
E quando o pobre homem-ovo quebrava em pedacinhos
O policial e a cidade e o vizinho
Todos observavam e repetiam
"Muitíssimo suspeito"
Seria, então, muitíssimo suspeito se encontrassem meu corpo quebrado
"Ela caiu ou foi empurrada?"


II.
Estou agarrada ä essa beirada
Logo abaixo, vejo meus pés que se sacodem em desespero
Acima da garganta impiedosa e lenta da morte
Eu sou pequena e a Sua Morte quer me engolir inteira
E como uma criatura pequena na garganta de um monstro
Eu tento me manter incrivelmente parada, pra não ser digerida
Na acidez do não-existir
Eu tento não olhar pra baixo, porque Sua Morte não tem palavras,
Mas ela canta pra mim desde muito cedo
Eu me agarro à beirada firmemente
Eu sempre me agarrei a ela com essa incerteza
Mas dessa vez meus pés balançavam procurando pelo chão
E eu sabia que Sua Morte me emgoliria, cedo ou tarde,
E eu puxaria a terra ao meu redor e faria dali a nossa cama.

III.
Eu achava que cairia para sempre
Minha boca aberta em horror apenas pelo hábito de estar
Assim, perplexa, horrorizada
"Ela caiu ou foi empurrada?"
Eu fui empurrada pelo brilho que existia em mim
E assim como o sonho que eu tive semanas antes,
Eu era uma partícula de eletricidade e você era água
E eu queria tanto estar com você que comecei a apagar
E cada vez mais fundo, e mais fundo, eu via seus olhos
Que brilhavam roxos e azuis e escuros e mortos
E meu brilho não importava
O chão nunca ia chegar, a queda nunca ia acontecer
Porque eu continuava caindo eternamente.

IV.
Acordo arfando
Me disseram que estava batendo na cabeceira
Eu lembro de tudo muito rápido
E o que me acordou foi o barulho do meu próprio grito
Eu lembrei que podia gritar e o chão chegou rápido demais
Tentei voltar a dormir, mas meus pedaços se misturavam com os seus
E todos eles acordaram na cama comigo.

V.
Eu recolho meus pedaços, eu me convenço de que não há tempo
Ou espaço ou paciência
Pra ser o homem-ovo dos contos de fada
Não é a minha morte, e eu já não suspeito de mais nada
Olhos de chocolate se derretem na minha frente
E eu ouço tanto amor no meu ouvido
E eu cedo e concedo permissão
Pra tocarem meus pedaços sem medo de quebrar de novo.


"Ela caiu ou foi empurrada?"
"Os dois."

Não importa mais.

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