Clube do luto pt. II - O dia em que ela não chorou

Ontem, você faria 76.
Você passaria o dia inteiro fora de casa, porque você odiava comemorações. Os abraços te deixavam constrangido. A consideração excessiva fazia com que você se sentisse desconfortável, e por isso, você fugia pra passar o dia bebendo em qualquer boteco.
Sei que sua constante recusa fez com que rejeitasse até o meu carinho (que não era e nem é, até hoje, hipócrita. Sei que era tudo o seu jeito, com seu bigode muito empertigado e seus olhos naquele tom verde-lar.
Ontem, a vó não chorou por sua causa. Não que eu tenha visto. Ela sorriu por sua causa, na verdade.
Eu não pude, novamente, chorar por você. Organizei um almoço bonito e chamei as pessoas pro aniversário da vó parecer bonito. Pra tampar sua ausência constante nos meus dias, chamei meus amigos, que tanto amam minha avó. Ela recebeu presentes (que você odiaria receber) e abraços (que você declinaria com seu tom de voz exageradamente alto).
Achei que você deveria saber disso tudo, ou que pelo menos eu deveria fingir que te contei. Sei que já não conversávamos muito.
Pra sua informação, ainda não aprendi a tocar guitarra. Fiz História por alguns períodos, e você se orgulharia, mas desisti. Hoje, danço e escrevo poesia. Ouço Elvis, Beatles, Cartola e Sinatra, tal como você me ensinou.
Mas meu amor, nem todas as músicas do mundo conseguem preencher a falta que você faz.

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