Eu, cadáver -- Causa mortis

Hoje recebi meu atestado de óbito. Não reclamei das cócegas nos meus pés quando prenderam a etiqueta de identificação para cadáveres. Não tentei consolar qualquer alma que chorasse em cima da minha ausência silenciosa. Sequer emiti qualquer som quando cortaram meu peito e reviraram minhas entranhas.
No atestado, dizia que meu coração pesava 300 gramas, e tinha tamanho normal. Que meus cabelos eram negros e minha estatura, mediana. Mediram alguns órgãos. Perguntaram se eu era casada, se eu tinha filhos e qual era a minha idade. Anotaram meu nome pra esquecer no segundo seguinte. Não, ninguém perguntou quais eram meus sonhos ou pretensões, besteira. Ninguém queria saber.
Carimbaram bem grande no final da página a data da minha morte, mas o motivo estava escondido e assinado bem pequenino no meio daquele documento -- Causa mortis: Insuficiência cardíaca.
A verdade era que meu coração era insuficiente. Perfeitamente saudável, sim. Mas pesava muito mais que 300 gramas. Pesava as noites sem significado e o desamor que amarga. Pesava a banheira fria embaixo de um corpo degenerado. Pesava as noites em claro de questionamentos sobre o que seria.
É verdade, o coração não aguentou. Desistiu, parou. Exausto, desanimou.
Ah, coração... Pelo menos dessa vez, eu queria que fosse o suficiente.

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