Se essa rua fosse minha

Nunca disse, sempre olhou. Olhava com olhos calmos e doces, angustiados e ferozes. E não conciliava seus sentimentos com a realidade. Faltava-lhe a coragem pra pedir, e o risco de perder a atormentava. Já tinha perdido demais. Planejou a fuga: Correu, correu, correu, e chegou a lugar nenhum. Suas memórias, inconsoláveis e insistentes, a perseguiam.
"Você foi uma grata surpresa na minha vida."
"Fica mais um pouco."
"Você nunca disse que me amava."
"Você vai se arrepender por não me valorizar."
"Um dia, meu amor, eu vou morrer. E aí, vai ser tarde."
E corria das vozes em suas cabeças, ora gritava com elas, ora pedia perdão. Toda essa necessidade de amor, vindo direto do amor improclamável que ela guardava, mantinha e alimentava. E todas as vezes, perdia. Sentia-se rejeitada, baseada em diálogos e situações que aconteciam tão somente em sua cabeça. Como que uma auto-sabotagem, como que uma realidade inventada que destruía sua criadora. Era uma vida sem destino e um filme sem roteiro. Cavava entradas e solapava armadilhas, construía pontes e calçava estradas, preparava cada e todo cenário. E já diria a cantiga "Se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar com pedrinhas de brilhantes, só pro meu amor passar."
E enfeitava a casa e abrilhantava as ruas, esperando seus amores passarem. Mas quem dava o primeiro passo?
Certamente, não era ela.

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