Insone

Há um fantasma deslizando pelos meus lábios. Dizendo que preciso ir, preciso ir, preciso ir -- mas quero ficar. Vou embora sentindo novamente o cheiro de cigarro e a alma pesada como quem sempre carrega o peso inexorável da adaga estocada no peito.
A cidade se desconstrói diante de mim, e eu derreto e me junto a ela. Tão sofisticada e urbana, tão degradante e mal-cheirosa. Há alguma coisa em meus olhos que me faz ver além, e ver menos. Há algo lúdico em minhas mãos e meus pés constantes e ávidos. Como que uma vontade incontrolável de correr, sem sequer saber andar. E eu já não sei andar sem minhas lembranças.
Vou latejando e me perguntando se meu raciocínio ainda é linear, ou se alguma vez foi. Observo as gotas que se prendem nos seus cílios, e sinto meus poros e pelos eriçados com a água fria. A cena muda e eu sou novamente um alguém desconhecido dentro de uma camisa cheirosa. Vou vivendo uma montanha-russa de imagens insones e estranhas, quase psicodélicas. Continuo a me perguntar... Esses questionamentos me surgem em uma cama confortável, com o barulho de respiração no meu pescoço e o conforto estranho de olhos que mudam de cor. Eu queria me importar um pouco mais  com o momento que eu vivo, e talvez me libertar dos fantasmas que me arrastam de volta para a melancolia constante da poetisa bailarina que só relembra os dias de glória e júbilo, sem nunca aproveitar os momentos derradeiros de alegria corriqueira. Talvez eu possa ser um pouco mais você, quando acordar e sorrir pra algum semi-estranho na minha cama. Talvez eu possa sorrir e fazer apenas aquilo que quero, que gosto e que considero correto. Talvez eu possa mudar a cor dos meus olhos de vez em quando, ser melhor, ser hoje. Cansei de ser pra sempre.

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