Cartas para Júlia - pt. II
Meu amor, antes de dormir eu me agarrei a essa pergunta com tanta força. Eu amei seu desenho. Amo todos os seus desenhos, até aqueles que não consigo entender.
Júlia, você está ficando crescida. Seu senso de responsabilidade tem aumentado e eu sinto muito por não estar presente. Você só tem cinco anos, mas às vezes fala coisas de adulto. Você me deixa com medo quando manda seu irmão calar a boca, e não grita junto com ele. Eu queria continuar cantando Beatles pra você. Queria desenhar com você e com ele. Queria te dar mais banhos e cantar qualquer música em inglês, que você repetiria atrás de mim, sem pronunciar sequer uma palavra corretamente e ainda assim soando tão melhor.
Meu amor, seus cabelos agora estão tão longos que penteá-los já se tornou uma função desafiadora. Mas sinto falta de pentear seus cabelos. E sinto falta de quando você penteava os meus.
Estou experimentando medos e receios que só seu jeito infantil de pentear e falar poderia acalmar. Às vezes, quando meu coração bate sozinho no escuro e o som dos meus pensamentos se torna alto demais, eu lembro do seu medo na montanha-russa. Lembro da noite em que fomos ao parque de diversões e você se agarrou ao meu braço todas as vezes que sentiu medo. Mas não chorou. Não gritou. Não pediu que parassem. Você não disse palavra. Só olhou bem fundo nos meus olhos e segurou firme a minha mão. Como se eu fosse quem estava sentindo medo.
Eu estava sentindo medo?
Minha Júlia, estou com medo que você perca seus olhos sensíveis. E também estou com medo de perder meus olhos sensíveis. Estou com medo das pessoas e da vida, porque as pessoas tem esmagado meu coração como cinzas de cigarro e a vida é naturalmente esmagadora. Mas você sempre foi tão corajosa.
Hoje, ao te ligar, estava descendo da montanha-russa. Na sua curva mais feroz. Colidindo em carros coloridos. Voando em aviões mecânicos. De longe, via as luzes de tudo o que eu sonhava, mas as luzes enganam (mais uma coisa que você me ensinou). Segurei seus desenhos contra meu peito assim como você segurava minhas mãos. Não disse palavra. Só lembrei do seu olhar.
Você é a menina mais corajosa do mundo.
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