Devaneio


Prometi ao Universo que daria um dia inteiro em troca de uma única palavra.
E a palavra seria meu incentivo para seguir em frente.
Prometi ao Universo que mudaria, que seria mais e mais forte, se finalmente fosse recompensada com amor. Mas o amor me adoeceu. Me enfermou e infernizou. E adoentada acordei durante alguns dias, chorando ao primeiro pensamento.
"O que eu mereço, o que eu mereço?"
"O que há de errado comigo?"
"O que eu sou, o que eu sou?"
"Por favor, eu preciso de um alívio".
E pensei em todos os fins, já sem ter saída alguma. Sentada embaixo do chuveiro, nua e exposta. Violentada pela vida e pelo destino, que sempre me coloca em estradas cruéis com personagens que maltratam meu coração só por existir. Dali, para além das notas das minhas lágrimas, uma melodia ressoava. Eu ainda não a ouvia.
Devagar, levantei. Percebi que ouvia Beethoven. Ainda nua, dancei. Me misturei à água.
Na manhã seguinte, olhos molhados. Virei água de novo.
Para tudo o que eu não compreendia naquela manhã -- as palavras distantes, a distância glacial, o afastamento repentino e a ausência de afeto e sentido na vida --, criei um movimento.
A arte me salvou em um dia cor de leite. E as lágrimas engarrafadas na minha garganta molhavam meus pés e regavam a angústia. Eu já não tenho voz. Eu já não tenho cor, e por trás dos meus olhos, apenas vazio. Talvez eu esteja desfazendo devagar, me entregando. Talvez, dessa vez, eu não deva lutar.
A arte me salvou em um dia cor de nada. E por isso talvez eu viva só pra ela.
Se eu puder transformar a angústia em arte, estou salva.
Se a angústia consumir a arte e a beleza, o que será de mim?

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