Narração assim, tão impessoal.

Dói. Como eu poderia saber?
- Venha aqui, me dê um abraço. - ele disse. Uma lágrima se equilibrou em sua pálpebra, recusando-se a soltar.
- Você está indo embora. Não quero seu carinho. - repliquei, ressentida.
- Tenho medo de ser feliz pra sempre. - manteve a voz baixa, e a frase morreu de morte natural. Eu estava tão revoltada por ter minha felicidade furtada de mim daquela maneira, que libertei meu monstro. Seu nome era Orgulho, e eu o mantivera trancafiado por tempo suficiente para que, dessa vez, ele fosse liberto faminto e furioso, decidido a nunca mais deixar-se trancafiar.
- Então vai. A porta esteve aberta o tempo todo. - o desdém no meu tom era a voz de Orgulho. E Orgulho era cruel, porque vivia ferido.
- Outros vão te amar. Vão te fazer feliz. - meu abandonador tentou me consolar.
- Os outros não são você. - choraminguei. Orgulho rosnou.
- Vou pegar meu coração de volta, e te deixar ser livre, se você não se importar. - ele estendeu a mão. Eu o impedi.
- Eu me importo. - conjecturei.
- Então eu deveria deixá-lo com você? - ele estava inseguro e hesitante.
- Sim. - Minha voz soou ameaçadoramente doce. - Dê-me aqui.
Ele me passou seu coração. Era escorregadio, macio e cheirava a doce e vodca. Estava cheio de amor, mas vazio de mim. Apertei-o, furei-o com minha unhas ferozes. Pop! O coração estourou. Então meu abandonador me abandonou, ressentido e assustado. Quando ele se foi, os olhos arregalados além do susto espalharam o conteúdo de seu coração. Estava cheio de mim. Cheio de boas recordações. Minhas recordações. Ele era meu e eu mal sabia, e seu coração agora era só poeira, gentil, espalhada pelo meu chão, que já não existia.

Comentários

Postagens mais visitadas